27 de fevereiro de 2010

A espera de uma peça

   Escrevo de um teatro-café-livraria que usa um jazz delicioso como som ambiente. Estou a meia luz com um dos olhos fechados enquanto escrevo. Não sei como posso fazer disso sentido já que não da para enxergar muito bem o que tento escrever. É que tenho um sono que está matando! Portanto, tento dormir de um olho só enquanto apoio a cabeça em uma das mãos. Cotovelo sobre a mesa. Odeio ser derrubada por isso. Mais um capuccino, e grande por favor!
   Muitos livros nas prateleiras pretas que também se encontram em paredes pretas. Já minhas unhas são vermelhas, quase cereja. E eu adoro o som de um saxofone! Estraguei todo o desenho de chocolate que ficava na espuma do capuccino e levantei a colher para esperar o resto de espuma escorregar de volta para a xícara. Vamos ao gole. Ótimo, está quente mas sem queimar a língua.
   Aguardo o horário do início da peça da noite com este bloquinho e uma lapiseira. Mensagem no celular!! Nada de importante. Esses sapatos machucam meus pés. E vejam só que interessante: depois de alguns goles do café, descobri uma frase escondida embaixo da espuma creme com bordas marrons. "Café Fazenda Pessegueiro". Hum... não consigo me imaginar comendo pessego e tomando café. 19:24.
   Sairei do cenário da minha própria mesa sem comentar minha pasta de estudos de música, que ocupa boa parte dela. E é claro que minha primeira reparação externa é um casal. Ele é bonito demais pra ela, e muito mais novo também. Pergunto-me se eles algum dia terão ideia de que foram fisgados pela minha falta do que fazer.
   Diminui a ponta da lapiseira para evitar quebras e lembrei o quanto eu gosto de escrever com canetas macias, mas me disse mentalmente: "ainda bem que estou sem nenhuma por aqui" e o motivo disso não sei. Hora de estalar o pescoço.
   Há algo em cima de uma das estantes pretas que não posso decifrar. Parece bem antigo. E quanto ao jazz, continua agora com um solo de piano. As paredes de vidro da entrada inundam meu lugar com carros e pixações. Muros sujos e prestes a cair. Uma árvore de troncos largos e fortes. Não posso ver sua folhagem. Ela está emoldurada pelo teto e pelo chão.
   A primeira folha deste bloco acaba de ser arrancada e amassada. Nada que preste. Preciso de um lixo e algo para arrumar esse hálito de café enquanto observo a entrada de novos personagens para o recinto. Nenhum deles me encantou a apresentar, portanto continuarei minha observação com um enjoo de quem não deveria ter tomado mais de um café. Merda, acabo de quebrar a ponta. Se fosse uma caneta isso não teria acontecido.
   Encontrei! Não um lixo, mas uma moça de blusa cinza e casaco vermelho sentada no bar. Ela mastiga a torta enquanto repara também nas paredes pretas. Já eu me acelero a escrever para não perder nada. Torta com cerveja? Está sozinha e impaciente com o celular na mão. O casal estranho de antes agora lê um jornal: "Jornal do Teatro", e eu não posso identificar quem é a moça com os ombros de fora da primeira página. 19:44.
   Quem está inquieta agora sou eu. E olhe que não espero ninguém. Meu fio de cabelo dourado ficou preso no livro, que parei de ler há pouco para começar minhas anotações. Um sopro. Voou pro chão. Cansei. Arrumo a pulseira no pulso esquerdo, coço a ponta do nariz e assopro outro cabelo. Um agora que está a me fazer cócegas. Estalo o pescoço de novo. A moça vai para o segundo copo de cerveja prendendo os cabelos longos e escuros.
   Mais dois casais. Argh! Assusto-me com uma tosse bastante alta atrás de mim. É, jazz, pode continuar pois ainda não arranjei um lixo. Meu cabelo cai novamente sobre o rosto. Reparo que estou sozinha numa mesa pra quatro. Já posso começar um bom poker com as cadeiras, elas só precisam me ensinar.
   Coincidência ou não uma estranha acaba de perguntar: "vai usar essa cadeira?". Fiquei tentada a convidá-la para meu poker de madeira. Mas achei melhor pagar minha conta. Maledeto! Máquina do cartão quebrada. Não posso precisar de um táxi. Buzinas da inundação poluída lá de fora acabam de me assustar. Onde é que eu acho um lixo?
   Dois cafés e meu sono ainda é mais forte. Dormirei então de olhos abertos em fixos para disfarçar. Terceiro copo de cerveja. 20:06. Hora de pegar os ingressos. Retificando: o ingresso, a não ser que eu pretenda levar as cadeiras comigo. Nada de lixo. A bola de papel vai pra dentro da minha bolsa. Agora um solo de saxofone.
   Desligo o celular. Sono, sono, sono... Quanto sustos são possíveis numa noite só??? Acabam de derrubar uma garrafa cheia d'água. Sou a única pessoa sem companhia do bar. Começou a fila para entrar na peça e enquanto eu estiver lá dentro todo esse jazz e burburinho irão continuar.

25 de fevereiro de 2010

Oh, não!


   Estou numa fuga de correr atrás. Quero muito algo que consigo quase todos os dias. Porém, no instante do conseguir, fujo. Quase como um cão que corre atrás do próprio rabo! Já o tenho, mas sinto que não, e ao morder percebo que está ali, porém largo sem saber o que fazer com isso. Além disso, não suporto platéias. Esqueço como se fala.
   É uma espécie de loucura que se fantasia de timidez no piscar dos meus olhos. Pois bem, o que é que faço com isso agora? É um atraso de percurso! Isso sim! Ou não. Talvez se trate de um disfarçar de incerteza. Mas agora estou certa de que a incerteza não é minha. Mentira. É minha sim e também de outros, que como eu, não sabem se afirmar.
   Oh, não! Acabo de me dar conta que a incerteza não toma só a mim e aos outros apenas, mas toma também a sanidade dos que a tentam solucionar. Melhor então seria deixar incerto para manter a sanidade. Certo? Sim, certo seria se não fosse o contratempo de que agora já ensandeci ao procurar o que é que está dentro dessa toca.
   Fico feliz apenas por não terem me aparecido ainda coelhos atrasados e gatos falantes. Uma vez que nessas condições eu teria que ter também um gato, comer coisas para crescer e descrescer, além de já apenas estar incerta, insana e tímida.
   Oh, não... oh, por favor, de novo, não!