10 de janeiro de 2010

Sem donos

   Dois morros amontoados de mato comprido e barracos prestes a cair. Nessa favela imunda tudo estaria como se vê por aí, se não fosse o lago que separava os dois grandes bolos de terra. Claro céu azul, sem sol. E um tronco caido no meio da poluição do lago: única ligação entre os morros.
   Neste momento me tentei a dar nome as pessoas que estão prestes a aparecer, mas errado seria limitar o que vi num sonho a nomes que ouvi enquanto andava pela vida.
   Bonitos. E também por completos fora de época. Ele de terno branco de neve; ela de vestido cor de açúcar, comprido até o calcanhar, gola alta do sufoco e mangas compridas. Uma noiva dos anos 30. Rendada, florida.
   Eu peço que me perdoem, pois era como se eu estivesse atrás desse homem que a olhava de forma que não sei definir. Era quase tão branca quanto o vestido, loira de cabelos escuros, curtos e penteados para trás; lábios cor da rosa e olhos desesperados, perdidos em um medo ardido que haviam roubado toda a luz da cor azul.
   O que faziam em pé no tronco? Com água até o pescoço e ligados pela cintura por uma corda grossa e firme? Deviam estar gelados. E eu não podia ver aliança alguma. Lixo. Sombra. Medo. Mãos que se seguravam apertadas. Um olhar que não se largava. Agonia. Aflição. Paixão. Angústia. Ela com sobrancelhas curvadas como as de uma criança, mordia os labios. Olharam-se com aceitação, e com um forte suspiro, engoliram as lágrimas que não desciam pelo nó da garganta.
   Pularam. Despencaram pesados como âncoras e com os olhos fechados, terminaram deitados no fundo do lago. Rodeados de lixo. A água borbulhava e gritava seu próprio som pelos meus ouvidos. Fervia sem queimar e subia para o ar. Tentei com força nadar pra baixo. Eu não podia mais alcançá-los e, portanto, o lago secou.
   Um vestido e um terno de mangas dadas. Limpos no barro seco. Sem nomes, sem corpos, sem esqueletos. Sem donos.

Eu vi num sonho. E hoje, por ironia de denominação, encontrei a trilha sonora perfeita: Priscilla Ahn - Dream.