19 de março de 2010

Band-aid

   Pela segunda vez no ano, lá estava eu a observar um cenário sujo. E de novo eu era transparente e caminhava atrás do que via. Só que dessa vez, eu de fato estava lá, era eu, e me observava, e o observava também. Comunicavamo-nos apenas por olhares e silêncios.
   No parque de supostas diversões, o céu cor de rosa escorria em lilás; era quase noite. Não sabiamos onde caminhar já que quase não se via o chão por causa dos destroços de não se sabe o quê. As únicas luzes acesas eram as da roda gigante que piscavam ora vermelhas, ora amarelas. Era incrível que ainda houvessem pessoas ao redor dispostas a entrar em brinquedos enferrujados. E se eu não tivesse certeza de que não existia música nesse mundo, podia jurar que de trilha sonora tínhamos Iann Tiersenn.
   Paramos por uma voz que não reconheci, ele sim. Seguiu em disparada atrás do que ouviu. Eu, que nunca o havia visto correr, parei por alguns instantes antes de perceber que deveria segui-lo, e obviamente, me distraí com as cores, humores, e com a movimentação ao meu redor. Me dei conta de que estava perdida.
   Com os olhos rápidos de quem procura em desespero, percebi que eu me encontrava no meio de carrinhos rápidos e coloridos, que subiam e desciam, e que o mundo dentro desses carrinhos gritava uma felicidade ensandecida que não servia pra mim. Ele caiu lá de cima e bem na minha frente, com a blusa rasgada e sangue nas costas. Continuamos mudos. Mas ele gostava de band-aids e eu sempre os tinha na bolsa.

Mais uma noite de sono.

2 comentários: